Uma breve história da metodologia científica

Da Grécia Antiga

aos tempos atuais:

como mudamos a

forma de fazer

ciência

Ciência nos ajuda a entender o mundo a nossa volta. Conhecer sua origem é um processo interessante por si só, além de ser um bom exercício para perceber como a sociedade evoluiu na sua capacidade de explicar fenômenos. Também fica mais fácil compreender por que usamos a atual metodologia em favor de outra no momento de realizar experimentos ou, até mesmo, para avaliar os dados da sua empresa.

Nesse artigo descrevemos a origem do método utilizado para se fazer ciência e como chegamos ao formato utilizado hoje. Para isso é preciso entender: o que é ciência? Como ponto de partida, uma rápida olhada no Wikipedia, nos traz a seguinte definição:

“A CIÊNCIA É UM PROCESSO QUE BUSCA CONSTRUIR E ORGANIZAR O CONHECIMENTO NA FORMA DE EXPLICAÇÕES E PREDIÇÕES TESTÁVEIS.”

Uma parte muito importante dessa definição é “explicações e predições testáveis”. O método por trás do desenvolvimento da ciência se baseia em testar hipóteses e é chamado metodologia científica. Metodologia científica é uma série de etapas para responder perguntas específicas sobre um determinado fenômeno.

O formato utilizado hoje se baseia em levantar uma hipótese falseável (capaz de ser provada falsa) e fazer experimentos que tentem mostrar que a hipótese está errada. Apesar de não parecer intuitivo, esse formato apresenta a vantagem de encontrar os limites do que uma teoria pode explicar.

Esse formato é relativamente novo. Foi criado em meados do século XX e até chegarmos ao ponto de construirmos ciência da forma que fazemos hoje, diversas outras metodologias foram utilizadas, desde a simples observação e descrição até o teste de hipóteses.

O questionamento de como os fenômenos naturais acontecem e qual o mecanismo por trás foi iniciado oficialmente pelos gregos. Aqui, com destaque para Platão e Aristóteles, pois criaram um método sistemático para discutir o que eles chamavam de filosofia natural. Isso aconteceu em torno do ano 400 antes de Cristo.

PLATÃO

Considerando duas classes principais de cientistas, teóricos e experimentalistas, Platão seria um teórico, mais especificamente um racionalista. Ele dividia o universo em duas partes: o mundo material e o mundo das ideias.

Para ele, o mundo material nunca será perfeito, pois está sempre sujeito à mudança. Já no mundo das ideias, as coisas materiais são definidas por uma série de propriedades imutáveis.

Sabedoria vinha de rejeitar as representações imperfeitas da forma, ou seja, as coisas materiais, e adotar a perfeita e imutável ideia das coisas, as formas imateriais. Para ele, ter o real conhecimento de algo é entender sua essência ou forma.

ARISTÓTELES

Aristóteles, apesar de aluno de Platão, era um pouco mais empírico quando se tratava de entender os fenômenos naturais. Ele observava o mundo a sua volta e desenvolvia suas teorias através de raciocínio e argumentos lógicos. Essa metodologia se tornou a base da criação da ciência do mundo moderno, com algumas modificações, claro.

Além de lógica, Aristóteles assumia que o conhecimento gerado antes dele estava correto e os usava como base para criar sua lógica para explicar boa parte dos fenômenos ainda não estudados.

FRANCIS BACON

Agora vamos dar um grande salto no tempo, indo para o final do século 16, com Francis Bacon.

Bacon criticava fortemente o modo aristotélico de fazer ciência, pois acreditava que toda a ciência deve ser questionada. Enquanto, para Aristóteles, a observação de apenas um fenômeno era suficiente para descrever sua teoria, Bacon enfatizava buscar novas informações, dados e fenômenos na natureza para chegar a conclusões.

Isso significava testar as respostas a perguntas importantes, sem depender das palavras de pessoas mortas há muito tempo.

Outro ponto que Bacon criticava sobre ciência na Grécia antiga era o fato de cientistas e pensadores estarem limitados aos nobres. Para Bacon, ciência precisava do suporte do Estado e um planejamento centralizado. Não deveria estar limitado a alguns poucos nobres, deveria ser um programa ou sistema que trabalhasse para o bem público. A ciência deveria ser prática.

RENÉ DESCARTES

Outra figura importante para a metodologia científica – e contemporânea de Bacon – foi René Descartes. Diferente de Bacon, Descartes era mais teórico. Ele começou sua filosofia com uma pergunta bastante abstrata:

“COMO SABEMOS O QUE SABEMOS?”

Uma crítica que Descartes fez ao modo de Aristóteles fazer ciência e ao experimentalismo em geral foi sobre a interferência dos sentidos humanos no entendimento dos fenômenos.

Descartes foi considerado um gênio da matemática e é o criador do plano cartesiano, feito que uniu a álgebra e a geometria. Além disso, construiu uma prova para sua existência. Para ele, você deveria duvidar de todas as coisas, inclusive da própria existência. Mas o próprio fato de duvidar implicava que você pensava, então você deveria existir, no mínimo, enquanto ser pensante (não necessariamente físico). Daí: “penso, logo existo”.

A técnica usada por Descartes para

checar a validade dos conhecimentos é usada até os dias atuais: dúvida sistemática (ou dúvida hiperbólica). Duvide de tudo, questione o status quo.

Mesmo Bacon sendo um experimentalista e Descartes sendo um racionalista, os dois concordavam nesse ponto – Bacon dizia que não se devia confiar no conhecimento presente em livros antigos, mas sim sempre checar e/ou testar as informações presente neles.

No entanto, a forma de fazer ciência de Descartes partia de premissas não necessariamente válidas e usava o método dedutivo para chegar às conclusões. E no caso de premissas inválidas, a conclusão também o seria.

Para ele, o conhecimento obtido através dos sentidos carece de absoluta certeza, porque os sentidos muitas vezes nos enganam. Além disso, ele afirmou que a razão humana também pode ser enganada. Conclusões lógicas feitas a partir de premissas falsas vão levar à resposta errada.

Para lidar com esses pontos, Descartes assumiu que só podia contar com a matemática para criar conhecimento. A forma matemática de analisar as coisas – de certa forma reducionista – gerava um conforto mental em Descartes, pois com ela se podia provar se algo estava certo ou errado. Não existia um meio termo.

Galileu Galilei viveu no mesmo período em que Bacon e Descartes defendiam suas formas de fazer ciência. Galileu deixou também um importante legado para o método que conhecemos hoje: enquanto Bacon era um político que defendia uma ciência para a sociedade e Descartes uma ciência racionalista, Galileu fez ciência através de experimentos e observação da natureza.

KANT

Entra em cena, cerca de 100 anos depois, Immanuel Kant. Estamos agora em meados do século 18, auge do Iluminismo.

Kant foi um filósofo que criticou não somente o método dedutivo e puramente racionalista de Descartes. Ele também criticou todo o processo dicotômico – racionalismo versus empirismo – de se fazer ciência que fora desenvolvido até seu tempo. Nas palavras dele:

“A RAZÃO SEM EXPERIÊNCIA É VAZIA. A EXPERIÊNCIA SEM RAZÃO É CEGA.”

HUME

Hume o criticava sobre o método que usava para chegar a conexões causais entre fenômenos. Este filósofo dizia que não era possível provar a causalidade de eventos com apenas uma associação. Eventos que ocorriam em sequência, mesmo que repetidas vezes, não necessariamente eram causais, mas nossa mente acabava por interpretá-los como causais, por questão de hábito.

Por exemplo, se todos os dias percebemos que o dia precede a noite, nossa mente acaba interpretando que o dia causa a noite. E extrapolando para qualquer fenômeno, mesmo que se repita mil vezes, não quer dizer que irá se repetir na milésima primeira vez. Kant fez ajustes no seu modelo, mas apenas 200 anos depois, em meados do século 20, surgiu uma solução mais robusta para esse problema.

POPPER

Karl Popper, contemporâneo de Sigmund Freud e Albert Einstein, sugeriu uma forma de se analisar fenômenos diferente da abordagem de Kant. Kant afirmava que nosso intelecto impõe as leis sobre a natureza. Em outras palavras, depois de observar um fenômeno por uma quantidade suficiente de vezes, nossa mente cria regras que regem aquele fenômeno. Popper concordava com esse ponto.

Porém, onde Popper discordava de Kant, era em assumir a validade de uma lei imposta a um fenômeno, apenas por ter funcionado nos casos – ou na maioria dos casos – observados.

A proposta de Popper era tentar refutar um argumento ou hipótese para um fenômeno. Apesar de semelhante, seu método era mais robusto. É simples encontrar evidências para uma dada hipótese, no entanto isso não necessariamente nos leva mais perto da verdade.

“CADA CRENÇA QUE DESCOBRIRMOS SER FALSA É NA VERDADE BOM PARA NÓS, PORQUE ISSO NOS APROXIMA UM POUCO MAIS DE ACREDITAR EM APENAS COISAS REALMENTE VERDADEIRAS.”

O que Popper trouxe para a comunidade científica foi uma forma melhor de testar os fenômenos que observávamos. Para ele, um pensamento científico deve ser testável, refutável e falseável. Se você não puder fazer isso para uma teoria, ele a consideraria apenas uma crença.

E apesar de parecer algo voltado para o ambiente acadêmico, hoje isso deve ser aplicado em qualquer ambiente em que se levante hipóteses. Essa é a forma como trabalhamos em nossos projetos. Provavelmente já começaremos com alguma hipótese que queremos verificar, mas vale pensar: qual contraprova mostra que estamos errados?

Novamente, encontrar evidências que estamos certos é fácil, mas isso não nos aproxima da verdade.

O objetivo desse artigo é mostrar alguns dos pensadores que moldaram o método científico até chegarmos ao ponto que estamos hoje. Um breve resumo de mais de 2400 anos de história para te apresentar uma metodologia eficaz que você deve aplicar em suas análises.

NARUHIKO HAMA

PARA SABER MAIS:

O método científico: https://www.youtube.com/watch?v=UdQreBq6MOY

Karl Popper: https://www.youtube.com/watch?v=-X8Xfl0JdTQ

Metodologia científica: https://plato.stanford.edu/entries/scientific-method/

Kant e Hume sobre causalidade: https://plato.stanford.edu/entries/kant-hume-causality/

Livro: O mundo de Sofia – Jostein Gaarder

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