O pensamento
crítico no cotidiano
Pensar criticamente é tarefa árdua, exige atenção e persistência. Os resultados são surpreendentes ao longo do tempo, mas já adianto que não são imediatos. Nós, seres humanos, temos uma tendência inata de avaliar situações muito rapidamente, e essa habilidade é extremamente útil, porém algumas vezes pode nos levar a conclusões pouco acuradas.
“PENSAMENTO CRÍTICO É A ANÁLISE RACIONAL, OBJETIVA, CÉTICA, CRITERIOSA E NÃO ENVIESADA DE EVIDÊNCIA FACTUAL PARA FORMAR UM JULGAMENTO”
— NUMERA
Neste artigo abordaremos três aspectos que influenciam o quanto conseguimos ser críticos nas nossas decisões – implicações da evolução, nossa falta de conhecimento e as armadilhas mais comuns:
i. Implicações da evolução: O modo como o nosso cérebro evoluiu influencia a dinâmica da nossa tomada de decisão
ii. Existência do desconhecido: Não sabemos o que não sabemos, mas é possível buscar o desconhecido em fontes seguras para melhores decisões.
iii. Armadilhas mais comuns: Existem armadilhas, difíceis de serem percebidas, ao analisarmos uma situação. Tomamos decisões que são aparentemente lógicas, ou ao menos baseadas nela, mas que na prática não tem muita relação com a realidade.
Tomamos decisões o tempo todo e necessariamente exigimos que o nosso cérebro processe cada uma delas. Essas decisões vão desde a escolha da roupa para ir trabalhar até a análise de onde investir a sua reserva financeira. São milhares de decisões feitas todos os dias, e devemos nos policiar para que cada escolha seja feita da melhor maneira possível, gastando o nível adequado de energia, uma vez que nosso processamento é limitado.
NOSSA CAPACIDADE DE PROCESSAMENTO E OS TIPOS DE PENSAMENTO
Segundo Daniel Kahneman – psicólogo e ganhador do prêmio nobel em economia comportamental – o processo de tomar decisões abarca dois tipos de pensamento, o pensamento rápido e o pensamento devagar.
O pensamento rápido acontece naturalmente quando nossos sentidos são expostos a informações do ambiente. É intuitivo e em grande parte da nossa vida, acurado. Traz como bagagem de aprendizado toda a nossa história social e evolutiva, e foi o que nos permitiu sobreviver por milhares de anos como espécie frente a tantas adversidades.
O pensamento devagar precisa ser acionado de forma consciente por nós. Ele é mais lento e gera um gasto energético alto. Quando operante, racionaliza as percepções encontradas pelo sistema rápido para propor soluções mais embasadas. Saber quando questionar nossos instintos e acionar o pensamento devagar é a grande questão, e é nesse ponto que entra o pensamento crítico.
No universo de gestão de pessoas, a avaliação de desempenho é um ótimo momento para começar a exercitar o pensamento crítico. Sabendo que essa é uma situação na qual tendemos a nos basear nas percepções trazidas pelo pensamento rápido, o primeiro passo é estarmos abertos à possibilidade de que a decisão que estamos tomando pode estar sendo guiada pelo nosso instinto e/ou está sendo pouco racionalizada. Considerando essa limitação, poderemos avaliar as pessoas de forma mais imparcial. Não podemos deixar que nossas próprias percepções sobre alguém ou sobre situações vivenciadas influenciem nossos julgamentos, pois algumas pessoas serão beneficiadas enquanto outras serão prejudicadas pela nossa memória. Veja mais sobre esse tópico no nosso artigo “SUAS AVALIAÇÕES SÃO JUSTAS?”.
CONSEGUIR BALANCEAR NOSSOS ESFORÇOS ENERGÉTICOS COM ESTRATÉGIAS DE PRIORIZAÇÃO DE DECISÕES É UMA HABILIDADE QUE PODE SER DESENVOLVIDA COM ESTUDOS E MUITA PRÁTICA, E CONSTITUI PARTE FUNDAMENTAL DO PENSAMENTO CONSCIENTE E CRÍTICO.
Portanto, pensamento crítico não é uma habilidade inata, e é exatamente por isso que é um diferencial enorme. Nos torna capazes de ter mais clareza nas nossas decisões e de criticar construtivamente as decisões ao nosso redor. Geralmente, quanto mais se conhece o tema, mais quer-se conhecer.
Note que simplesmente usar o pensamento devagar não garante que o desfecho será mais correto. Ainda que as análises sejam mais profundas, elas também podem estar erradas. Em situações nas quais existem seres humanos avaliando um cenário, dados ou até mesmo outros seres humanos, há uma vastidão de erros a serem cometidos. Os motivos são muitos e alguns deles são intrínsecos à nossa espécie.
O RISCO RESIDE EM GRANDE PARTE NO QUE NÃO SABEMOS
Outro fator que explica grande parte dos deslizes que cometemos está intimamente ligado ao fato de que sempre haverá uma parcela de desconhecimento nosso acerca do tema que estamos analisando.
Em diversas ocasiões nas quais empenha-se tempo para analisar a situação com cautela, geralmente nos apoiamos na nossa vivência para traçar o caminho a se seguir. O risco reside no fato que geralmente não sabemos que não sabemos alguma coisa e essa parte desconhecida pode ter um efeito muito grande na situação em análise.
Nos esquecemos com demasiada frequência que existem maneiras de nos munirmos de conhecimento antes mesmo de analisarmos o problema em foco. Esse passo em um processo de análise é chamado de pesquisa preliminar (background research), que nada mais é do que buscar fontes seguras que tenham publicações sobre o tema. Muito provavelmente já existem estudos que trarão uma base teórica e até mesmo prática para o problema em foco e a visão da situação se tornará mais ampla e completa . Esse passo ajuda a construir uma base sólida para a análise e auxilia na definição da direção que deve ser seguida.
Um exemplo prático do nosso desconhecimento é sobre avaliação de desempenho. Existem teorias, muito bem fundamentadas, que defendem que a curva de desempenho de um grupo de colaboradores não segue uma distribuição normal (ou curva de Gauss). Partindo dessa teoria, a avaliação de desempenho da forma como geralmente fazemos é injusta. Não ter essa informação e partir unicamente do nosso empirismo de utilização da curva de Gauss desde sempre pode nos privar de hipóteses que são extremamente interessantes nas discussões de avaliação de desempenho.
ARMADILHAS MAIS COMUNS
Discutimos as limitações do nosso cérebro e as limitações do que conhecemos para o tópico que estamos discutindo. Agora precisamos falar de erros que geralmente estão vinculados ao método que aplicamos para análise: em grande parte das vezes, o método que usamos parece fazer sentido e ser lógico, mas apenas isso não é suficiente para sustentar que ele é correto e adequado. Listamos dois exemplos de falhas geralmente cometidas:
CASOS DE SUCESSO
É comum nos depararmos com capas de livros que falam sobre “os 5 principais atributos de empresas bem sucedidas” ou “as 10 características de pessoas produtivas”. Estamos cercados por fórmulas de sucesso. São centenas de livros, posts e reportagens que falam sobre o que deve ser feito para estar entre as melhores empresas ou quais características desenvolver para estar entre os melhores profissionais de determinada área. Há um porém nessas histórias: a grande maioria delas foca somente nos casos de sucesso e ignora todo o resto.
Vamos supor que todas as empresas ou pessoas bem-sucedidas façam uma ótima gestão de seus recursos. Se seguirmos a abordagem de histórias de sucesso deveríamos concluir que necessariamente ao fazer uma ótima gestão de recursos obteremos sucesso.
Um bom exemplo na gestão de pessoas é a análises de saída de funcionários. É muito comum buscarmos entender as causas olhando somente para as pessoas que saíram da organização, quando o correto seria olhar tanto para as pessoas que saíram quanto para as pessoas que ficaram. Assim, é possível identificar quais são as principais características que diferenciam os dois grupos tornando possível afirmar com mais embasamento as hipóteses de causa de saída.
Mas, se olharmos por um outro ponto de vista, o das empresas/pessoas que não obtiveram sucesso, essa afirmativa deixa de fazer sentido, pois existem empresas/pessoas que não são bem-sucedidas e ainda assim fazem uma excelente gestão de recursos.
A mesma lógica vale para qualquer análise ou discussão sobre um problema: ao avaliarmos qualquer situação: deveríamos ter todo o cenário em pauta, e não só os casos de sucesso.
REGRESSÃO À MÉDIA
O conceito de regressão a média é bastante simples e diz sobre ruídos que ocorrem na qualidade do desempenho. E apesar de sua simplicidade, é pouco usado no dia a dia. Existe ruído, ou aleatoriedade, em tudo – a menos que o processo seja propositalmente super controlado – e isso faz com que o desempenho tenha variações positivas e negativas, em maior ou menor grau, em momentos diferentes.
Na prática significa dizer que se uma pessoa geralmente é nota 6 em comunicação, pode ser que eventualmente sua nota flutue em torno de 6 e mais raramente obtenha notas distantes de 6 (veja o gráfico ao acima).
O que acontece muitas vezes é que interpretamos cada um desses pontos individualmente e nos esquecemos de olhar para a performance média ao longo de um período maior. Ao fazermos isso, atribuímos o fato de aparecerem valores maiores ou menores a fatores específicos, mas que na prática pode não estar de fato causando a flutuação. A aleatoriedade geralmente explica grande parte das flutuações consideradas normais, e a tendência natural é que a performance retorne à média.
DESFECHO
Falamos brevemente sobre como nosso cérebro opera. O intuito é deixar clara a diferença entre os tipos de pensamento, assim fica mais fácil entender nossos próprios pensamentos, organizá-los e possivelmente usar o pensamento lento em situações importantes e suprimir o pensamento rápido quando necessário. Se quiser saber mais sobre esse tópico, a fonte é o livro “Rápido e devagar, duas maneiras de pensar.”
Abordamos também o fato de que não conhecemos o que não sabemos. Esse conceito é abordado com mais profundidade no artigo “OS AVIÕES, OS BURACOS E OS REFORÇOS”, e exemplifica bem a teoria Efeito Dunning-Kruger.
Por fim, abordamos duas situações que são comuns no dia a dia, nos parecem fazer sentido e por isso não as questionamos: histórias de sucesso e regressão à média. Existem outras situações nas quais o nosso julgamento, mesmo o lento, falha apesar da grande convicção de estar correto. No curso Mindware: Critical Thinking o professor Richard E. Nisbett aborda alguns desses aspectos, também importantes.
ANTES DE MAIS NADA, É FUNDAMENTAL SABER QUE PENSAR CRITICAMENTE NÃO ACONTECE DA NOITE PARA O DIA.
Mesmo com muito treino e muita consciência dos possíveis erros, ainda não estamos blindados a esses erros. Com certeza voltaremos a cometer algumas gafes sob uma perspectiva racional. Mas também é uma certeza que estaremos errando menos e isso, por si só, já é um grande passo. Não é como colocar um óculos, que imediatamente te permite ver o mundo de forma diferente – possivelmente melhor. Na verdade, pensamento crítico assemelha-se a treinar nossa visão para uma leitura dinâmica, que vai evoluindo gradativamente a cada treino. Com o tempo será possível analisar cenários mais rapidamente e de maneira mais acurada.
JULIA VASCONCELOS
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