Seu trabalho pode estar encurtando sua vida

Precisamos falar

sobre saúde

Quais são os impactos que seu trabalho tem em seu corpo? Este artigo faz parte da nossa busca por decisões mais informadas das empresas com seus colaboradores, especialmente sua saúde. E para falarmos de bem estar, precisamos entender do que os brasileiros estão morrendo hoje, quais hábitos podem estar relacionados e como as empresas podem impactar, negativa ou positivamente, na saúde de seus funcionários.

Você já deve ter lido alguma mensagem motivacional sobre “amar o seu trabalho”, “trabalhar com o que você ama” ou “largar tudo para fazer aquilo que te faz feliz”. Apesar de nobre, em uma escala de prioridades, hoje não vamos mirar tão alto. Antes de discutirmos algo tão aspiracional como felicidade, precisamos falar sobre algo mais básico – e que muita vezes não recebe a prioridade necessária: saúde.

“TRABALHE EM UM LUGAR QUE NÃO AFETE NEGATIVAMENTE SUA SAÚDE”

Se você faz parte da força de trabalho formal brasileira, é bem provável que seu regime de horário (pelo menos no papel) seja de 8 horas trabalhadas, com um intervalo de 1 hora. Se contarmos o tempo investido em transporte, horas extras, os e-mails enviados no fim de semana ou a apresentação feita logo antes de dormir, não são poucos os funcionários que chegam a dedicar metade do dia (e dois terços do dia acordado) exclusivamente para o trabalho. Apesar disso, a discussão sobre os impactos do trabalho na saúde em grandes empresas parece estar muito mais focada em questões específicas como ergonomia ou insalubridade, do que nos efeitos conjuntos e a longo prazo de toda a experiência de trabalho.

Por isso nós queremos mudar o foco dessa discussão. E para isso escrevemos este artigo.

 

DO QUE MORREM OS BRASILEIROS

De quais causas é mais provável que você morra? Definitivamente não é um pensamento que a maioria das pessoas gosta de ter. Apesar disso, a análise de causas de morte de um país é, em primeiro lugar, uma análise sobre a vida das pessoas deste país. Seu hábitos, suas características, seus ambientes e suas escolhas. Hábitos, características, ambientes e escolhas de vida que acabam determinando como será a morte dessas pessoas. E, se quisermos atuar nessas causas para que possamos estender nosso tempo de vida, precisamos observar como os brasileiros estão morrendo hoje. Para isso, criamos o gráfico interativo abaixo, com os dados mais recentes do DATASUS sobre as principais causas de morte dos brasileiros em 2016.

Recomendamos a visualização do gráfico na versão desktop. Usuários do mobile podem arrastá-lo para o lado. Passe a ponteira do mouse sobre as faixas para ler o percentual que uma determinada causa representa sobre o total de mortes ou clique em um dos finos retângulos ao lado de uma causa para focá-la. Em azul as causas de morte que serão discutidas neste artigo.

O Brasil, principalmente pelo investimento em vacinação, saneamento básico e dos programas implementados de saúde pública nas últimas décadas, deixou de ter doenças infectocontagiosas como as principais causas de morte dos brasileiros, que passaram a viver mais – praticamente duas décadas a mais dos anos 60 até hoje – e, em seu lugar, causas como infarto, AVC e câncer passaram a figurar entre as principais razões de falecimento.

Uma característica importante dessas doenças crônicas é que estão diretamente relacionadas a hábitos de vida de longo prazo das pessoas – como fumo, alimentação, prática de exercícios e estresse – e são característicos de uma população em envelhecimento que colhe os frutos, dentre outros motivos, da sua própria rotina ao longo da vida.

É importante deixar claro que os hábitos das pessoas não são necessariamente escolhas livres e conscientes. Se você leu ou conhece algo sobre vieses inconscientes, sabe que muito do processo decisório que operamos no dia a dia – da escolha da comida que colocamos no prato ao hábito de ler e-mails antes de dormir – não é fruto puro e simples do nosso raciocínio lógico. E, mesmo que a decisão seja consciente, ela não é necessariamente livre de pressão social ou estrutural. Ninguém é fã de estresse no trabalho, mas muitas vezes o aceitamos como se fosse inerente e inevitável porque precisamos e queremos trabalhar.

“SE VOCÊ CHEGA A INVESTIR DOIS TERÇOS DO SEU DIA TRABALHANDO, AS PRESSÕES E INFLUÊNCIAS DO TRABALHO AFETAM DIRETAMENTE OS HÁBITOS QUE VOCÊ MANTÉM E, POR CONSEQUÊNCIA, MUITOS DOS RESULTADOS DE SAÚDE QUE VOCÊ VAI OBSERVAR À MEDIDA EM QUE ENVELHECE”

É exatamente nesse contexto que o ambiente de trabalho assume seu papel: se você chega a investir dois terços do seu dia trabalhando, as pressões e influências da sua ocupação afetam diretamente os hábitos que você mantém e, por consequência, muitos dos resultados de saúde que você vai observar à medida em que envelhece.

Precisamos então entender como as particularidades do trabalho tem influência nos hábitos que nós criamos e, para isso, vamos começar com uma das maiores preocupações do século XXI: o estresse.

ESTRESSE É RUIM. TALVEZ PIOR DO QUE VOCÊ IMAGINA

Que o estresse tem repercussão na saúde não é nada muito novo. Mas o tamanho do impacto é algo que em 2018 ainda estamos começando a descobrir, especialmente para o estresse que vem do trabalho. Particularmente, seus efeitos são mais pronunciados em algumas das principais causas de morte dos brasileiros: doenças coronarianas, AVCs e diabetes.

ESTRESSE NO TRABALHO

está associado com um aumento de 23% na chance de doenças coronarianas, como infarto, de 22% para AVCs e 15% para diabetes tipo II

Um estudo de 2012 publicado no The Lancet – um dos mais antigos e prestigiados jornais médicos do mundo – sobre quase 200 mil pessoas acompanhadas entre 1985 e 2006 mostrou que aquelas que relatavam estresse no trabalho (15% do total) apresentam uma chance 23% maior de terem incidentes de doenças coronarianas, como infarto agudo do miocárdio – a causa única que mais matou brasileiros em 2016.

Outro estudo de 2015 publicado no jornal da Academia Americana de Neurologia que envolvia cerca de 140 mil pessoas mostrou que indivíduos expostos a alta tensão no trabalho tiveram risco 22% maior de AVC e 58% maior de AVC isquêmico, especialmente mulheres. Segundo o próprio artigo: “o estresse no trabalho pode promover comportamentos não saudáveis, como tabagismo, redução da atividade física, menor comportamento de busca de ajuda e maus hábitos alimentares, todos importantes fatores de risco para o AVC.”

Já um estudo de 2014 publicado no jornal da Sociedade Americana de Diabetes envolvendo mais de 120 mil pessoas mostrou que indivíduos que apresentavam estresse no trabalho tinham uma chance 15% maior de desenvolverem diabetes tipo II, independente de hábitos e fatores de risco como obesidade, falta de atividade física, tabagismo e uso abusivo de álcool.

Vale destacar que todos estes estudos são metanálises – um tipo superior de análise que agrega o resultado de vários estudos menores – com número muito grande de participantes e que utilizaram algumas das melhores técnicas disponíveis de desenho de experimentos. Ou seja, estão bem longe de serem os artigos de pop science que você encontra na maioria das notícias publicadas pelos grandes canais de mídia.

E é de outra metanálise – publicada há menos de 4 meses no The Lancet seguindo 100 mil pessoas de 1985 a 2002 – que vem uma das melhores medidas do impacto do estresse no trabalho: o risco de morte. Homens com doenças cardiometabólicas (doenças coronarianas, AVC e diabetes) tinham uma mortalidade 68% maior quando estavam expostos ao estresse no trabalho, impacto semelhante ao do hábito de fumar e superior ao impacto de hipertensão, colesterol alto, obesidade, falta de atividade física e alto consumo de álcool.

“EM RESUMO, ESTRESSE NÃO SÓ AUMENTA SEU RISCO DE INFARTO, AVC E DIABETES. APÓS DESENVOLVÊ-LOS, O ESTRESSE NO TRABALHO ESTÁ ASSOCIADO A UM AUMENTO DE QUASE 70% NA MORTALIDADE DOS HOMENS”

ALÉM DO ESTRESSE

As companhias e suas lideranças – especialmente as lideranças de recursos humanos – tem impacto direto no nível de estresse que seus funcionários estarão submetidos. Fatores como a pressão de tempo para entregas, carga mental, coordenação de responsabilidades, autoridade para tomar decisão e recompensas financeiras e não financeiras são usados hoje como alguns dos principais indicadores de estresse e, definitivamente, estão sob alguma forma de controle das empresas.

Menos óbvios são os impactos que as companhias tem sobre outros hábitos que compõe a tríade da saúde moderna: fumo, alimentação e exercícios físicos.

O fumo é reconhecido como a causa primordial de mortalidade evitável. Com 10% da população brasileira ainda fumante (e mais de 30% da população há 30 anos), não é nenhuma surpresa que o tipo de câncer que mais mata no Brasil sejam os cânceres dos brônquios e dos pulmões. Apesar de os impactos do ambiente de trabalho no hábito de fumar ainda não serem muito bem entendidos, uma revisão sistemática de 2006 concluiu que haviam fortes evidências de que trabalhos de alta demanda aumentavam a quantidade de cigarros consumidos por dia pelos fumantes e ampliavam a probabilidade de recaída naqueles que haviam parado de fumar.

De modo semelhante, com quase 20% da população obesa em 2016 e com apenas um entre cada três adultos consumindo frutas e hortaliças durante cinco dias da semana, a alimentação do brasileiro se tornou uma das prioridades do Ministério da Saúde na busca por combater doenças como diabetes ou hipertensão. Dentro desse contexto, muitas empresas tem impacto direto sobre a nutrição dos funcionários, já que suas políticas incluem restaurantes próprios, vale alimentação e vale refeição (válidos em estabelecimentos específicos), além de descontos negociados com restaurantes parceiros e até a escolha de onde ficam localizados os locais de trabalho (e por consequência onde será mais provável que as pessoas se alimentem). Fatores como distância, preço, qualidade e sabor da comida são cruciais para a escolha de onde comer – não só saúde.

FORÇA DE VONTADE TEM LIMITES

Um estudo de 2017 mostrou que, durante a semana de provas de uma universidade americana, o consumo de fast food por parte dos alunos aumentava acentuadamente. Segundo os autores, a maior carga de trabalho e maior demanda cognitiva tornava a alimentação em redes de fast food muito mais provável, possivelmente porque “o autocontrole é um recurso limitado cuja eficácia tende a diminuir quando um indivíduo tenta resistir a múltiplas fontes de tentação de cada vez”. Se o mesmo se repete no ambiente de trabalho, períodos de maior carga de atividades podem levar os funcionários a fazerem escolhas menos saudáveis em sua alimentação.

A influência chega a ser mais direta do que você imagina. Um excelente exemplo de política veio de uma das cafeterias do próprio Google: a empresa passou a oferecer pratos de tamanhos menores, esperando que as porções servidas acabariam também sendo reduzidas. Segundo Laszlo Bock, ex-vice-presidente de People Operations no Google:

“NÓS SERVIMOS MAIS DE 3.500 ALMOÇOS NAQUELE CAFÉ NAQUELA SEMANA E REDUZIMOS O CONSUMO TOTAL EM 5% E O DESPERDÍCIO EM 18%. NÃO É UM MAU RETORNO SOBRE O CUSTO DE ALGUNS NOVOS PRATOS”

— LASZLO BOCK | WORK RULES!

Por fim, os programas de promoção de atividade física realizados por empresas podem alcançar bons resultados em termos de saúde e qualidade de vida dos funcionários. Uma metanálise de 2009 relacionada a quase 40 mil pessoas analisou os efeitos de diversas intervenções empresariais – que incluíam desde fornecer inscrições gratuitas ou a taxas reduzidas em academias até atividades no ambiente e horário de trabalho. Apesar dos resultados serem bem variados, como esperado, eles indicam que “algumas intervenções melhoram a atividade física em alguns indivíduos, e essas mudanças podem, por sua vez, melhorar os resultados selecionados de saúde, a cultura e o estresse no trabalho”.

 

DO PONTO DE VISTA DA EMPRESA

Como alguém responsável por decisões de uma companhia, é fácil assumir uma posição condescendente, aceitando que o estresse é algo inerente ao ambiente de trabalho, cabendo à empresa respeitar apenas suas obrigações legais. Mais fácil ainda é aceitar que a empresa tem sim impactos e responsabilidades éticas, mas não dedicar os tempos e recursos necessários para garantir que decisões, como o tamanho do prato no restaurante ou a quantidade de horas extras que os funcionários estão executando, estão sendo tomadas colocando a saúde dos colaboradores como prioridade.

Nossa esperança, porém, é que este artigo tenha sido suficiente para mostrar a magnitude do impacto das escolhas que você faz na vida, na saúde e, em última instância, na morte das pessoas que trabalham com e para você. E, do mesmo modo, que seja um caminho para estabelecer suas prioridades de ação em busca de um ambiente de trabalho mais saudável.

 

DO PONTO DE VISTA DO FUNCIONÁRIO

Se você se considera parte do grupo das pessoas que sofre de estresse no trabalho – inclusive se já foi diagnosticado por um profissional de saúde – talvez este seja o sinal que você estava esperando. Não estamos discutindo salário, promoções, carreira ou recompensas. Estamos discutindo algo muito mais sério: saúde e mortalidade. As pessoas estão morrendo e o trabalho tem sua parcela de culpa. Sua ocupação é um fator determinante para seus hábitos: suas horas de sono, o que você come, o quanto você se exercita, com quem você convive e qual a carga emocional e intelectual que você tem que aguentar.

É perfeitamente compreensível que você se coloque em situações de alta tensão no trabalho na busca por uma recompensa, seja ela uma promoção, um novo cargo ou apenas a manutenção do emprego. Apesar disso, seu corpo está coletando hoje e continuará acumulando amanhã os efeitos dessas escolhas.

Ninguém planeja ter um infarto. Ninguém planeja um AVC. E nem todos os fatores, como sua genética, estão sob seu controle. Mas seu trabalho sim. Sua carreira é seu planejamento. Seu bem estar é sua responsabilidade: seja escolhendo uma ocupação que reduza o estresse que você irá enfrentar no cotidiano, seja conversando com o seu RH para ajudar a melhorar a qualidade da alimentação que a sua empresa oferece.

Não veja este artigo como um compilado de riscos que você está correndo, mas sim um guia para te ajudar a tomar as decisões melhores para o seu futuro profissional. Afinal, não é sem motivos que nossos pais diziam que a saúde vem em primeiro lugar.

THIAGO MELO

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