Não. E vamos

explicar por quê

Ondas corporativas vêm e vão. Como podemos saber se people analytics não é só mais uma delas? Neste artigo aprofundamos a questão, discutindo o quão inovadora (ou não) é essa nova metodologia, os principais riscos que ela enfrenta e, no fim, explicamos por que ela veio para ficar.

Ondas corporativas tem um padrão bem claro: alguém cria uma nova metodologia ou pensamento inovador que promete resolver todos os problemas que tem limitado o crescimento de sua empresa e o desenvolvimento de seu negócio com alguns passos surpreendentemente simples. Cursos são ministrados, artigos publicados, funcionários desenvolvidos e livros com histórias de sucesso publicados. Os resultados são bons, mas não particularmente excepcionais. Novas metodologias e raciocínios similares, ou spin-offs, começam a surgir, mas com aquela pequena adaptação que fará toda a diferença na realidade da sua empresa e que o original não capturava. Então alguma das principais revistas de negócios lança um artigo polêmico questionando sua validade – muito provavelmente uma das revistas que havia divulgado a mesma metodologia ou escola de pensamento para início de conversa. E então um efeito dominó acontece, diversas outras publicações são lançadas, a crítica domina o mercado e o método é abandonado. Bem a tempo de uma nova grande inovação que vai revolucionar o mercado ser lançada. Da onda promovida pelo livro Em Busca da Excelência na década de 80, passando pela Reengenharia nos anos 90 e culminando na crítica lançada na semana passada pela Harvard Business Review ao Design Thinking, em tradução livre:

“AS CRÍTICAS SÃO VÁRIAS: QUE O DESIGN THINKING É MAL DEFINIDO; QUE A DEFESA PARA SEU USO DEPENDE MAIS DE ANEDOTAS DO QUE DADOS; QUE É POUCO MAIS DO QUE O SENSO COMUM BÁSICO, REEMBALADO E DEPOIS COMERCIALIZADO POR UMA PESADA TAXA DE CONSULTORIA.”

— NATASHA ISKANDER | HARVARD BUSINESS REVIEW

Substitua Design Thinking pelo nome das muitas outras ondas que já aconteceram e as críticas continuam sendo as mesmas: definições fracas, uso de evidência anedótica como representativa do todo e nada muito além de senso comum. Entretanto, se o mesmo destino das outras metodologias acontecerá ao Design Thinking – e as suas muitas versões – só o tempo dirá.

 

MAS E PEOPLE ANALYTICS?

Se você leu nosso primeiro artigo, deve se lembrar da definição que apresentamos: people analytics é a análise de dados de pessoas, com rigor científico, para tornar mais assertivas as decisões relacionadas aos funcionários de uma empresa. O foco dessa definição está no termo rigor científico. A metodologia por trás da atuação de um profissional sério de people analytics não é simplesmente a análise dados, e sim o método científico. E é a aplicação deste método que caracteriza e separa people analytics de outros meios de análise para gestão de pessoas.

Se queremos inferir então o quanto people analytics é ou não apenas mais uma onda corporativa passageira, temos que entender o que é o método científico, o quão inovadora é sua aplicação e os riscos que ela envolve.

 

O QUE É O MÉTODO CIENTÍFICO?

O dicionário Oxford traz uma definição ampla o suficiente para os propósitos deste artigo: “Um método de procedimento que tem caracterizado as ciências naturais desde o século XVII, consistindo na observação sistemática, medição e experimentação, e na formulação, teste e modificação de hipóteses.” Nesta definição, existem dois grandes eixos: as hipóteses e os experimentos.

MÉTODO CIENTÍFICO

Um método de procedimento que tem caracterizado as ciências naturais desde o século XVII, consistindo na observação sistemática, medição e experimentação, e na formulação, teste e modificação de hipóteses.

Por hipóteses, entenda suspeitas. São proposições que podem ou não ser verdadeiras. No contexto empresarial, são as opiniões de alguém sobre como deve ser criado um novo treinamento; são o novo programa de remuneração cujos responsáveis acreditam que aumentará a retenção na sua empresa; ou ainda, são as etapas do processo seletivo que devem estar selecionando os melhores funcionários. Nada é certo em relação a essas suposições. Sim, elas podem ser criadas a partir de muito estudo, cuidado e raciocínio lógico, mas ainda assim são hipóteses a serem testadas.

Já por experimentos, entenda testes práticos. Com observação sistemática, rigorosa, cética e que utiliza os conhecimentos mais modernos disponíveis e as técnicas de desenho e análise de experimentos que melhor se adequam à realidade em questão, existem evidências que apoiam essas hipóteses? O novo treinamento, quando comparado com um grupo controle que não o recebeu, trouxe alguma mudança mensurável de comportamento? Os impactos do pacote de remuneração e benefícios no turnover formam medidos de alguma forma? Foi estabelecida alguma correlação entre sucesso nas entrevistas do processo seletivo e a performance do funcionário contratado dentro da empresa?

Nem todas as medidas são iguais. Seja no ambiente acadêmico, seja no corporativo, restrições financeiras, éticas, temporais, etc. colocam limites em como as hipóteses podem ser testadas. Mas o trabalho de um bom cientista – e de um bom profissional de people analytics – é entender as diversas ferramentas que podem ser utilizadas para criar medidas de maior qualidade, como randomização, estudos cegos, inferência estatística, etc., aplicá-las em suas análises e, quando não for possível sua utilização, entender os limites da informação que será obtida.

 

PEOPLE ANALYTICS É ALGO INOVADOR?

Conhecendo o método científico no nosso contexto, esta pergunta é particularmente importante se quisermos entender o risco inerente à inovação que people analytics apresenta – fator determinante para sabermos o quão durável ou passageira será sua aplicação nas empresas. Podemos dividir essa questão em três facetas: metodologia, conteúdo e aplicação.

  • Em termos de metodologia, people analytics se baseia no método científico que – apesar de estar em constante renovação com a invenção de novas técnicas e ferramentas analíticas – existe de alguma forma semelhante à versão atual desde o século XVII, com suas origens na Antiguidade Clássica. Inovador? Definitivamente não;

  • Em termos de conteúdo, people analytics utiliza o corpo de conhecimento científico já disponível, seja no meio acadêmico, seja no meio empresarial. Na prática, isso envolve desde técnicas estatísticas do século XIX, passando por desenvolvimentos da ciência da computação da década de 50, até os avanças mais recentes da psicologia organizacional. Inovador? Não necessariamente;

  • Em termos de aplicação, people analytics representa a união desse conteúdo e dessa metodologia dentro do contexto empresarial, especialmente nas áreas de Recursos Humanos. Inovador? Definitivamente sim. Na prática, ferramentas analíticas tem baixa adesão em muitos dos times de RH em operação hoje e, quando estão presentes, são restritas a indicadores e dashboards (em geral subutilizados).

 

E O QUE PODE DAR ERRADO COM A INOVAÇÃO?

Em termos de risco da inovação, people analytics tem bastante segurança em termos de metodologia e conteúdo, que não são necessariamente inovadores, mas se mantém atualizados para abarcar os novos conhecimentos desenvolvidos pela academia e pelo meio empresarial. Porém, é na sua aplicação que se concentra a maior ameaça a sua durabilidade.

Os principais desafios práticos de sua utilização são dois: o conhecimento técnico de executores e o engajamento das partes afetadas pela mudança que people analytics causa. A última é definitivamente o maior desafio para a maioria das empresas, uma vez que exige da liderança um certo grau de humildade intelectual para entender todos os riscos envolvidos em seguir o próprio instinto, ou gut feeling, e passar a confiar em evidências que muitas vezes são contrárias à própria opinião.

ENGAJAMENTO

é definitivamente o maior desafio para a maioria das empresas, uma vez que exige da liderança um certo grau de humildade intelectual para entender todos os riscos envolvidos em seguir o próprio instinto, ou gut feeling, e passar a confiar em evidências que muitas vezes são contrárias à própria opinião

O que mudou na última década e tornou hoje o tópico tão relevante é que as empresas – e particularmente suas lideranças – não podem mais se dar ao luxo de tomar decisões simplesmente baseadas em instintos. Do CEO do Uber que pediu demissão após a cultura de sexismo da empresa se tornar pública ao vídeo viral de um funcionário da United Airlines arrastando à força um passageiro para fora do avião, nenhuma marca ou empresa está livre do escrutínio público de seus valores, cultura e ambiente corporativo. Como um artigo da Trend Watching define, em tradução livre: 

“QUANDO A EMPRESA ERA UMA CAIXA PRETA, A MARCA ERA LIMITADA AO QUE ESTAVA PINTADO DO LADO DE FORA. OS LÍDERES DO NEGÓCIO TINHAM UM ALTO GRAU DE CONTROLE SOBRE ISSO. MAS AGORA QUE UM NEGÓCIO É UMA CAIXA DE VIDRO, A MARCA É TUDO O QUE É VISÍVEL. TODA PESSOA. TODO PROCESSO. TODO VALOR. TUDO O QUE ACONTECE, SEMPRE.”

— TREND WATCHING

E os cuidados não são apenas em termos de saúde da marca empregadora, mas também restrições legais. Um exemplo claro é o Employment Equity Act de 1998 adotado pela África do Sul para mitigar os efeitos do Apartheid. Ele exige que, para que um teste psicológico possa ser usado por uma empresa, ele precise necessariamente:

  • “ter sido mostrado cientificamente como sendo válido e confiável;

  • poder ser aplicado de maneira justa a todos os funcionários; e

  • não ser enviesado contra um funcionário ou grupo.”

Em síntese, apesar da aplicação da metodologia científica no ambiente empresarial ser um desafio, é um desafio não opcional que as empresas precisam atacar de frente para sobreviver no mundo extremamente conectado que se formou na última década, em que qualquer acontecimento pode ser gravado por um smartphone, seja para cuidar de sua marca empregadora, seja para atender a critérios legais.

 

PEOPLE ANALYTICS NÃO É SÓ MAIS UMA ONDA?

Em resumo, não.

Mais do que uma metodologia inovadora, people analytics é na verdade a aplicação do método mais aceito há séculos pelas ciências naturais para geração de conhecimento: o método científico. E mais do que uma onda corporativa, people analytics é o resultado inevitável da revolução analítica chegando ao RH.

“MAIS DO QUE UMA ONDA CORPORATIVA, PEOPLE ANALYTICS É O RESULTADO INEVITÁVEL DA REVOLUÇÃO ANALÍTICA CHEGANDO AO RH. ”

O processo natural de profissionalização da gestão de pessoas envolve entender que os seres humanos são falhos em tomar decisões com base em seus instintos e que precisam de ajuda de técnicas menos enviesadas.

Diversas áreas das empresas já observaram mudanças semelhantes: do marketing à previsão de demanda, do planejamento e estratégia ao jurídico. E assim como nestas áreas, people analytics não vem para substituir todos os processos atuais de tomada de decisão e se tornar a única fonte de informação quando o assunto são pessoas.

People analytics vem para complementar o processo decisório, tornando-o mais assertivo e menos enviesado.

E, diferentemente das ondas corporativas passageiras, utiliza conhecimento e tecnologia em sua grande maioria já bem sedimentados no meio acadêmico, focando muito mais no desafio que é aplicá-lo em ambiente empresarial, do que em desenvolver a grande nova metodologia corporativa que irá revolucionar seu modo de gerir pessoas.

THIAGO MELO

Quer saber mais sobre o assunto? Conheça mais sobre people analytics em um dos nossos treinamentos.

AV ÁGUA VERDE  1413, CURITIBA   |   RUA ALAGOAS, 1460 , BELO HORIZONTE