Por que seus funcionários deixam sua empresa?

Novo olhar para

um problema

antigo

No primeiro de uma série de artigos sobre novas ferramentas de análise, apresentamos a aplicação de um estudo chamado análise de sobrevivência para entender quando e por que as pessoas deixam as empresas nas quais trabalham, do ponto de vista do ciclo de vida do próprio funcionário ou funcionária.

Pessoalmente, nunca fui muito fã de um dashboard. Reconheço sua utilidade para acompanhamento de processos, mas não acredito ser a melhor ferramenta para um planejamento estratégico mais certeiro. E como – para muitos times de gestão de pessoas e recursos humanos – a bola da vez é ser mais estratégico e menos processual, acompanhar a métrica pela métrica não parece ser o caminho mais eficiente. Por definição, um dashboard é um conjunto de indicadores que são acompanhados repetidamente. E como tudo que é acompanhado repetidamente, o ganho de novas informações fica cada vez menor.

Não entenda isso como uma crítica a ter um dashboard. Assim como é bem útil a um médico ou uma médica monitorar os sinais vitais de um paciente, também é para a empresa conhecer como anda o turnover ou número de vagas de processo seletivo em aberto. Porém, há casos em que uma ressonância magnética ou uma punção lombar são necessárias.

NOVAS FERRAMENTAS DE DIAGNÓSTICO

O artigo de hoje faz parte de uma série que estamos elaborando sobre novas análises que utilizam os dados mais comuns das áreas de gestão de pessoas. Nosso objetivo: um novo olhar para velhos problemas. Com os mesmos dados que dão origem aos indicadores tradicionais de RH, vamos utilizar conhecimento de outras áreas – como saúde pública, engenharia, etc. – para observar de maneira completamente diferente algumas das dores constantes dos times de gestão de pessoas. E começaremos pela saída de funcionários.

COMO FAZEMOS HOJE

As duas análises mais utilizadas quando o assunto é saída de funcionários são a análise de turnover e pesquisa de desligamento. Apesar de bastante úteis, nenhuma das duas consegue observar um ângulo do problema que é imprescindível para entender por que as pessoas deixam uma companhia: a experiência objetiva do ponto de vista do funcionário.

Comecemos com o turnover. Quando calculamos a taxa de turnover em 2018, por exemplo, estamos adotando a linha de tempo da empresa e agrupando pessoas em momentos de carreira completamente diferentes. Tomemos 3 funcionários fictícios como exemplo:

  • – Laura Silva: contratada em 2010. Deixou a empresa com 8 anos de casa;

  • – Miguel Oliveira: contratado em 2016. Deixou a empresa com 2 anos de casa;

  • – Alice Santos: contratada em 2018. Deixou a empresa com menos de 1 ano de casa;

Em 2018, os três deixaram a empresa. Pelos mesmos motivos? Improvável, caso não exista um grande movimento da empresa que explique uma saída generalizada.

A série temporal de turnover é ótima para visualizarmos mudanças estruturais em uma companhia, como uma reestruturação da empresa ou os efeitos de uma crise econômica. Porém, como ela não leva em consideração a linha de tempo do funcionário, ela é cega a movimentos relacionados ao ciclo de vida do colaborador (como o ajuste cultural do primeiro ano, o recebimento do primeiro pacote de remuneração de longo prazo de um executivo ou executiva no terceiro ano ou ainda o efeito de ficar 2 anos sem uma alteração de cargo).

TURNOVER E PESQUISA DE DESLIGAMENTO,

apesar de úteis, não conseguem observar um ângulo do problema que é imprescindível para entender por que as pessoas deixam uma companhia: a experiência objetiva do ponto de vista do funcionário. O turnover não leva em consideração a linha de tempo do funcionário (dentro de seu ciclo de vida na empresa) e a pesquisa de desligamento falha no critério de objetividade.

Já a pesquisa de desligamento falha no critério de objetividade. Por ser uma entrevista em que o funcionário dá sua opinião sobre os motivos de estar saindo da empresa (no momento do desligamento), dois grandes problemas acontecem:

  • – As pessoas mentirem ou ocultarem informações em suas respostas. Seja por medo ou pelo desejo de manter um bom relacionamento com a empresa, os funcionários podem suavizar, modificar ou diretamente mentir sobre os reais motivos de sua saída;

  • – As pessoas não saberem com clareza o motivo de estarem deixando a empresa. Por exemplo, os funcionários podem apontar baixo salário como motivo de saída, quando na verdade qualquer forma de reconhecimento (financeiro ou não financeiro) poderia ter sido suficiente para mantê-los, indicando um problema de liderança. Se você leu nosso artigo sobre vieses inconscientes, fica mais fácil entender como as decisões que tomamos nem sempre são objetivas e puramente racionais;

ANÁLISE DE SOBREVIVÊNCIA

Tipicamente usada para avaliar a efetividade de medicamentos em tratamento de doenças como o câncer, pode ser aplicada no contexto empresarial para entender os padrões de saída dos funcionários de uma empresa

Não que as opiniões não sejam importantes. Elas são. As pesquisas de opinião são uma ótima forma de levantar hipóteses, mas são bastante falhas na hora de comprová-las. É importante observar critérios mais objetivos (como grupo de cargo, posicionamento salarial, número de filhos, tempo desde a última promoção, etc.) se quisermos análises mais certeiras e menos enviesadas.

A ANÁLISE DE SOBREVIVÊNCIA

A análise de sobrevivência é um ramo da estatística que foca em acompanhar acontecimentos ao longo do tempo, como a morte de um paciente durante um tratamento, a falha de um equipamento mecânico após um período de uso ou ainda o que queremos propor: a saída de um funcionário à medida em que ele ou ela avança no ciclo de vida dentro de uma corporação.

No campo da saúde pública, de onde veio nossa inspiração, a análise de sobrevivência é bem útil, por exemplo, avaliando os efeitos de um novo tratamento no prolongamento de vida de pacientes com câncer. No escopo empresarial, podemos pensar no efeito de um salário mais alto, por exemplo, no prolongamento da estadia de um funcionário na empresa.

COMO PODEMOS FAZER

Uma das maneiras de realizar essa análise de sobrevivência é por meio de uma curva como a que está apresentada abaixo, conhecida como curva de Kaplan–Meier. Para criá-la, precisamos de apenas duas informações: a data de admissão dos funcionários e a sua data de desligamento (ou a ausência desta data, caso o funcionário continue trabalhando na empresa). Dados muito simples, convenhamos.

No eixo x, temos o tempo de empresa de cada funcionário (sendo o tempo zero o momento de contratação). Voltando ao nosso exemplo, o tempo zero de Laura seria 2010, de Miguel 2016 e de Alice 2018. Observe que a escala agora segue o ciclo de vida do funcionário, desde sua admissão até sua saída da empresa. Quando olhamos o ponto de 2 anos, ele representa o segundo ano de casa de cada funcionário, independe do ano real em que isso aconteceu (2012 para Laura, 2018 para Miguel e não ocorreu para Alice).

No eixo y, temos a fração dos funcionários contratados que continuam na empresa após determinado período. Observe que após um ano e meio, a empresa já perdeu 25% dos funcionários que contratou. Um pouco mais de 25% dos funcionários contratados ficam mais de 10 anos na empresa. Aqui é possível perceber uma das vantagens da análise de sobrevivência: ela não é resumida em apenas um número, mas sim toda uma curva que conta a história do ciclo de vida dos funcionários e qual o perfil de saída em cada ano de sua carreira dentro da empresa.

Um dos pontos mais importantes dessa curva é o chamado período de meia-vida, ou tempo necessário para que a empresa perca metade dos funcionários que já contratou. No caso, foi de aproximadamente 4,7 anos. Quanto menor o período de meia-vida, mais rapidamente a empresa perde pessoas.

 

COMPARANDO GRUPOS

A segunda grande utilidade da análise de sobrevivência é a comparação entre grupos. Quer saber como as pessoas saem nas diferentes diretorias da sua empresa? Ou então quem está abaixo, na ou acima da faixa salarial? Quem fica alocado em um estado versus outro estado brasileiro? Quem tem filhos e quem não tem? Casados e solteiros? Basta apenas incluir uma coluna na sua planilha base com essa informação. Tomemos gênero como exemplo:

Claramente existe uma diferença entre homens e mulheres na organização. A empresa perde metade das mulheres em menos de quatro anos, enquanto demora mais de 5 para perder metade dos homens.

 

OUTROS TEMPOS INICIAIS

Apesar de nos primeiros gráficos termos considerado o tempo inicial como a data de contratação, não significa que precisamos fazer apenas dessa maneira. Outro tempo inicial particularmente interessante é a data da última alteração salarial. Ou seja, o tempo zero da curva corresponde à última mudança de salário do funcionário ou funcionária, como na curva abaixo:

Observe que o novo tempo de meia-vida agora é de 2 anos. Compare com o período de meia-vida de 4,7 anos que havíamos identificado incialmente para a empresa. De um modo geral, a companhia demora quase 5 anos para perder metade dos funcionários que contratou. Agora, se esses funcionários não recebem aumento de salário, esse tempo cai para dois anos. Após um ano sem mudança de salário, a empresa perde quase 30% dos funcionários.

 

AS POSSIBILIDADES SÃO ENORMES

Mostramos aqui apenas alguns exemplos sobre como podemos utilizar a análise de sobrevivência para entender os padrões temporais e alguns dos motivos pelos quais os seus funcionários deixam a empresa. Podemos realizar comparações entre grupos (faixa de idade, escolaridade, avaliação de desempenho em um modelo de 9BOX, profissionais-chave, gerências, localidades, etc.), escolher diferentes tempos iniciais (contratação, última alteração salarial, última mudança de cargo, etc.) e ainda combinar essas possibilidades. Além disso, o formato da curva pode contar histórias interessantes: como uma queda brusca após o primeiro ano para os estagiários (pelo fim do contrato de estágio), ou ainda a permanência (ou não) de executivos nos primeiros anos de acordo com a política de remuneração de longo prazo.

A ideia não é substituir as análises de turnover ou pesquisa de desligamento e sim complementá-las na situação em que elas não são o formato mais adequado: na análise da experiência objetiva do ponto de vista do funcionário. A análise de sobrevivência, por si só não é capaz de explicar os motivos de saída dos funcionários de uma empresa em sua completude. Porém, ela pode ser uma ferramenta extra capaz de identificar novas facetas de um problema tão complexo. E uma grande vantagem prática é: os dados necessários são muito simples e facilmente acessíveis para a maioria das empresas.

THIAGO MELO

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