Suas avaliações são justas?

Vieses

inconscientes e

seus efeitos

Vieses inconscientes serão uma das principais preocupações de qualquer um envolvido com gestão de pessoas no século XXI. Neste artigo, vamos discutir o que são, como podem afetar nossas avaliações de desempenho e tentar engajá-lo ou engajá-la na luta por avaliações mais justas, objetivas e imparciais.

O QUE SÃO VIESES INCONSCIENTES?

De acordo com Renee Navarro da University of California, vieses são qualquer forma de parcialidade a favor ou contra algo, alguém ou algum grupo quando comparado em relação a outro, de uma maneira que é considerada injusta. Esses vieses são característicos e inatos na natureza humana, resultantes de um processo evolutivo que favorece a busca por padrões quando observamos a natureza e tomadas de decisão rápidas baseadas nesses padrões. Eles são formados ou aprendidos por meio de diversos processos e experiências, como relações afetivas com outros seres humanos, associação implícita de determinadas características com perigo ou até mesmo por influência genética. Para um exemplo, pense em como imagens de ataques por pitbulls podem ajudar a construir um viés de que todos os cachorros dessa raça são violentos.

“VIESES INCONSCIENTES SÃO QUALQUER FORMA DE PARCIALIDADE A FAVOR OU CONTRA ALGO EM QUE O INDIVÍDUO ENVIESADO NÃO TEM ACESSO NEM CONTROLE SOBRE O EXISTÊNCIA DO VIÉS”

— DEFINIÇÃO

Tais vieses podem ser encontrados em duas formas: conscientes e inconscientes. Vieses conscientes são aqueles em que o indivíduo tem conhecimento sobre os pensamentos que resultam no viés. Mas, para nosso tópico, vamos focar na outra categoria: vieses inconscientes são qualquer forma de parcialidade a favor ou contra algo em que o indivíduo enviesado não tem acesso nem controle sobre a existência do viés.

Todos nós temos vieses inconscientes. E isso pode se tornar um problema sério.

ONDE AS COISAS FICAM ESTRANHAS

Nós, seres humanos, julgamos sermos capazes de analisar de maneira justa, objetiva e imparcial outros seres humanos, baseando-nos em critérios preestabelecidos, sejam eles a lei de um país em um tribunal ou o briefing de um processo seletivo em uma empresa. Essa crença, porém, está longe de ser verdadeira. Tomemos os tribunais como exemplo. Já é bem documentado na literatura que pessoas consideradas menos atraentes tendem a ser desfavorecidas em julgamentos, chegando a pagar multas por contravenções em média 200% maiores quando comparadas às pessoas consideradas mais atraentes. A esse fenômeno dá-se o nome de viés de atratividade, um tipo de viés inconsciente relacionado a nossa tendência de associar uma melhor aparência física com outras características sociais desejáveis, como inteligência, altruísmo e inocência. 

A lista de vieses cognitivos – da qual o viés de atratividade faz parte – é imensa. Tão imensa que para simplesmente visualizar o compilado da Wikipedia sobre o tópico precisaremos da ajuda do Cognitive Bias Codex, desenvolvido por John Manoogian III, com base em uma publicação de Buster Benson sobre seu agrupamento em grandes categorias. Ela inclui fenômenos como a tendência de se autoanalisar de maneira excessivamente favorável com o objetivo de manter a própria autoestima, ou viés da autoconveniência; a tendência de favorecer as pessoas que pertencem a grupos semelhantes aos nossos, ou viés de grupo; ou ainda a tendência de perceber algo como sendo mais comum do que realmente é simplesmente porque ela possui algum significado especial para nós, ou viés de seleção.

Explorar essa lista em profundidade vai além do escopo deste artigo, mas existe um viés que precisa ser particularmente detalhado para falarmos das avaliações corporativas de desempenho.

 

O VIÉS DA CONFIRMAÇÃO

O viés de confirmação é a tendência a procurar, interpretar, favorecer ou lembrar informações de maneira a confirmar as crenças e hipóteses prévias, enquanto dando desproporcionalmente menor consideração para possibilidades alternativas. Um exemplo particularmente importante dos últimos anos vem do movimento antivacinação, que por diversos motivos – da crença de que vacinas podem causar autismo até a preocupação com determinados componentes como timerosal – se opõe ao uso de vacinas como medida de prevenção a doenças infectocontagiosas e é uma das principais causas para o retorno de surtos de sarampo nos Estados Unidos em 2013.

Em uma pesquisa publicada no jornal da Academia Americana de Pediatria, mais de 1700 pais receberam informações esclarecendo a controvérsia sobre vacinação, apresentando a falta de evidências da conexão entre vacinas e autismo ou até mesmo mostrando fotos de crianças enfermas por doenças evitáveis com vacinação. O resultado? Não só nenhuma das intervenções funcionou, como chegaram a reduzir a intenção de vacinação nos pais com crenças contrárias mais extremas.

“O VIÉS DE CONFIRMAÇÃO É A TENDÊNCIA A PROCURAR, INTERPRETAR, FAVORECER OU LEMBRAR INFORMAÇÕES DE MANEIRA A CONFIRMAR AS CRENÇAS E HIPÓTESES PRÉVIAS”

— VIÉS DA CONFIRMAÇÃO

Pessoas como esses pais, quando confrontadas com informações que contradizem suas crenças prévias, selecionam de maneira parcial os dados que recebem, dando maior importância àqueles que confirmam suas hipóteses (mesmo que de origem questionável, como grupos de Facebook ou redes de fake news) e desvalorizando ou dando menor importância a fontes oficiais como o CDC (Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos).

 

A AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO

Se você já trabalhou em uma empresa de médio ou grande porte, é bem provável que já tenha participado de alguma avaliação de desempenho. Os modelos são diversos, mas em geral são compostos de metas (financeiras, de projetos, etc.) e/ou alguma forma de avaliação mais qualitativa, como competências corporativas, com o objetivo de mensurar a performance dos colaboradores em um determinado período de tempo e, de acordo com o resultado, seguir com etapas de desenvolvimento e remuneração (financeira e não financeira). Tais processos são desenhados para que a avaliação seja feita de maneira justa e objetiva, tentando assegurar comparabilidade e imparcialidade nas notas obtidas. Mas a avaliação de desempenho é um julgamento humano sobre outros seres humanos e, como discutimos, nossas qualificações estão bem longe de serem justas, objetivas e imparciais.

“A AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO É UM JULGAMENTO HUMANO SOBRE OUTROS SERES HUMANOS E NOSSAS QUALIFICAÇÕES ESTÃO BEM LONGE DE SEREM JUSTAS, OBJETIVAS E IMPARCIAIS”

Tomemos competências corporativas como exemplo. Elas são desenhadas como formas de comportamentos a serem incentivados nos funcionários pelas organizações. Espera-se que os avaliadores e avaliadoras, sendo eles gestores ou pares, coletem informações ao longo do tempo sobre cada um dos comportamentos de interesse e façam uma avaliação neutra e isenta sobre quem está sendo avaliado, utilizando os critérios preestabelecidos pela própria empresa.

Na prática, diversos são os vieses cognitivos que afetam as nossas avaliações. E, não se esqueça, muitos desses vieses são inconscientes, ou seja, você, eu e nossos colegas de trabalho não temos sequer conhecimento ou intenção de que eles aconteçam.

Dentre eles, temos os vieses de memória, que incluem se lembrar com maior facilidade e dar mais importância aos eventos mais recentes e próximos da data de avaliação. Há também o viés de correspondência, que é a tendência a, quando avaliando outras pessoas, atribuir excessivamente os sucessos e erros a características internas (como personalidade, caráter ou intenção) e não levar em consideração o suficiente os efeitos do ambiente que não eram de controle do avaliado. Ou ainda o viés do ponto cego, que é a tendência a perceber vieses no comportamento de outras pessoas, mas falhar em percebê-los em si mesmo (como talvez você esteja fazendo neste momento).

Mas talvez o de mais fácil identificação seja o viés de confirmação. Quando alguém realiza uma avaliação, pode acontecer uma inversão na ordem dos fatores de julgamento. Ao invés de observar as competências corporativas (ou outros critérios) e avaliá-las de maneira isenta para então formar uma imagem do avaliado, o que acaba acontecendo é o oposto: no início do processo de análise, o avaliador ou avaliadora já tem uma imagem formada do avaliado ou avaliada (que pode ser “ele é um funcionário fraco” ou “ela é uma funcionária brilhante”) e então ajusta os critérios, independente de quais sejam, para estarem de acordo com sua crença inicial sobre quem está sendo observado. Ou seja, é o viés de confirmação em ação: a tendência a procurar, interpretar, favorecer ou lembrar informações de maneira a confirmar as crenças e hipóteses prévias.

 

O QUE FAZEMOS COM ESSA INFORMAÇÃO?

O objetivo deste artigo não é criticar avaliações de desempenho como um todo e sim apontar possíveis falhas inerentes ao julgamento humano e que precisam ser discutidas se queremos alcançar pareceres mais justos e inteligentes, sejam no ambiente corporativo, sejam fora dele. O primeiro passo é se informar sobre o assunto e trazer a discussão para a mesa tanto de quem avalia e de quem é avaliado, quanto de quem é responsável pelo processo. Todos nós sofremos de vieses inconscientes. Todos nós somos parte do problema. E todos nós precisamos trabalhar para reduzir seus efeitos.

Quer ter uma ideia mais clara sofre os efeitos desses vieses em você mesmo? Comece pelos testes de associação implícita do Project Implicit clicando aqui.

THIAGO MELO

Quer saber mais sobre o assunto? Conheça mais sobre vieses inconscientes em um dos nossos treinamentos.

AV ÁGUA VERDE  1413, CURITIBA   |   RUA ALAGOAS, 1460 , BELO HORIZONTE